Hidrogénio para aumentar o preço da eletricidade em Portugal
por Clemente Pedro Nunes
[*]
As monstruosidades económicas governamentais sucedem-se em Portugal,
umas atrás das outras. Elas vão desde a tentativa de sucateamento da
central termoeléctrica de Sines; até a
destruição de
linhas ferroviárias; a ignorância das potencialidades do
gás natural liquefeito nos transportes rodoviário,
ferroviário e marítimo; a
subsidiação dos veículos eléctricos; os projectos
disparatados de exploração do lítio; a
subsidiação das energias intermitentes através do FIT e,
agora, o projecto insano e ruinoso da produção de
hidrogénio em grande escala.
Este artigo lúcido do Prof. Clemente Pedro Nunes põe o dedo em
algumas destas feridas.
resistir.info
Por decisão do Governo de José Sócrates, desde 2005 que o
sistema elétrico português está baseado em potências
elétricas intermitentes, as eólicas e as solares. Sendo
intermitentes ou seja, ora existem ora não existem , e
porque a eletricidade não se armazena, esta decisão foi um erro
clamoroso porque compromete a estabilidade de fornecimento que a eletricidade
tem de ter.
Para atrair investimentos para estas potências elétricas
intermitentes que, além de desestabilizarem o sistema, estavam ainda
numa fase de grande imaturidade tecnológica, o Governo
Sócrates/Pinho decidiu brindar os investidores que alinhassem nessa
estratégia com FIT
(feed-in tariffs).
As FIT dão a quem delas beneficie generosas tarifas garantidas em
simultâneo com uma reserva absoluta de mercado, e tudo isto durante 15
anos!
Como as FIT expulsam do mercado todos os concorrentes, mesmo os que vendem
eletricidade a preços muito mais baixos, estes privilégios
conduziram a um grande aumento do preço da eletricidade, que é,
em Portugal, um dos mais altos da Europa, para além duma dívida
tarifária de 3 mil milhões de euros, a suportar pelos
consumidores.
Foi essa a lógica do Governo Sócrates/Pinho: "pôr os
consumidores a pagar todos os custos das suas aventuras tecnológicas,
para que os únicos beneficiários sejam os donos das
potências elétricas intermitentes". Por isso, hoje, em 2020,
os consumidores continuam a estar obrigados a pagar 380 euros/MWh de
eletricidade proveniente de 900 MW de potências solares intermitentes,
quando o preço de mercado de eletricidade é de apenas 40
euros/MWh!
E assim, todos os anos, os consumidores têm de pagar 600 milhões
de euros de sobrecustos, que massacram as famílias e as empresas
portuguesas.
Mas as desgraças não se ficam por aqui
Entre 2011 e 2017 não foram concedidas mais FIT a potências
intermitentes mas, após a substituição de Jorge Seguro
Sanches como secretário de Estado da Energia, a partir de 2018, a dupla
Matos Fernandes/João Galamba voltou a atribuir ainda mais FIT a mais
potências intermitentes, que já atingem 8700 MW quando o consumo
nas horas de vazio é apenas de 3900 MW.
A central de Sines é a maior e mais eficiente da Península
Ibérica e, como já está amortizada, podia vender a
preços muito baixos, o que faria descer o preço da eletricidade
para os consumidores. Mas como funciona em regime de mercado, vê-se
confrontada com as FIT das potências intermitentes, que lhe
"roubam" os clientes e a impedem de produzir .
Perante esta situação, que está a arruinar a economia
portuguesa, o Governo tinha a obrigação de cancelar todas as
concessões de novas FIT a mais potências intermitentes e
renegociar as já anteriormente concedidas, mas, lamentavelmente, o
Governo quer apostar no hidrogénio, fechar a central de Sines e
continuar a distribuir mais FIT a novas potências intermitentes!...
Deitar fora a atual central e depois gastar milhares de milhões de euros
dos contribuintes numa nova central a hidrogénio é o
cúmulo do massacre que as famílias e as PME vêm sofrendo:
por causa das FIT concedidas a potências intermitentes, que fizeram
disparar o preço da eletricidade, os consumidores irão ser agora
obrigados a pagar uma nova aventura megalómana com uma tecnologia
imatura, para assim se salvarem as contas de exploração duma
empresa privada.
A estratégia mediática do atual Governo é igual à
do Governo Sócrates/Pinho: "é preciso salvar o planeta e,
para isso, os consumidores portugueses têm de pagar o que for
preciso".
Mas o encerramento forçado da central de Sines não faz qualquer
sentido em termos da redução global das emissões de CO2,
porque:
Portugal tem uma percentagem de energias renováveis que é
já hoje das mais elevadas da Europa;
Ao encerrar Sines, Portugal irá importar ainda mais eletricidade
de Marrocos, produzida em centrais a carvão;
A Alemanha acaba de arrancar com uma central a carvão
idêntica à de Sines e que irá funcionar até 2038.
Por dizer isto na televisão, fui publicamente insultado há dias
pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba.
Estando a "Estratégia do Hidrogénio" em
discussão pública por iniciativa do próprio Governo, as
opiniões divergentes ajudam a construir uma "nova estratégia
nacional para a energia", pelo que os insultos pessoais de que fui
vítima revelam uma completa falta de ética e ausência de
argumentos para rebater as minhas afirmações.
Os insultos ficam com quem os proferiu e com o ministro e o primeiro-ministro
que mantêm João Galamba no Governo. Porque não me deixarei
intimidar pelos insultos violentos de que fui vítima! E porque assim o
exigem uma democracia de qualidade e o futuro de Portugal.
14/Agosto/2020
Do mesmo autor em resistir.info:
O monstro eléctrico ao vivo
Ver também:
O negócio do hidrogénio
, de Demétrio Alves
[*]
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico
O original encontra-se em
ionline.sapo.pt/...
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
.
|