Julian Assange: o que sabemos
Sabemos que Julian Assange é um cidadão australiano. A sociedade
editora que ele co-fundou (Sunshine Press) tem sede na Islândia e seu
sítio WikiLeaks está alojado... em... alguma parte.
Sabemos que Assange não violou
nenhuma
lei de uma jurisdição de que dependesse. Nenhuma. Nunca. Sabemos
de facto que ele
jamais foi acusado de violação
na Suécia (se tiver impressão em contrário,
desenrasque-se com a vossa fonte de informação preferida).
Compreendemos portanto que o "inquérito preliminar"
interminável de uma procuradora sueca não foi senão uma
operação destinada a empurrar a caça Assange para a
armadilha estado-unidense.
Sabemos também que Julian Assange nunca esteve sob uma
jurisdição dos EUA. E portanto que uma
"extradição" de Julian Assange para os Estados Unidos
não será uma decisão da justiça na
aplicação de não sei qual lei, mas realmente o culminar de
uma operação de
sequestro
pelos Estados Unidos de um jornalista estrangeiro, sequestro decidido e
preparado desde longa data e sob a cobertura de um "direito" que foi
espezinhado de ponta a ponta neste caso. Sabemos portanto que o que se prepara
contra ele
não é uma "extradição"
mas sim um sequestro, um rapto, uma "entrega forçada".
Sabemos que os Estados Unidos pretendem apesar de tudo aplicar-lhe 175 anos de
prisão em nome de uma lei (
Espionage Act,
de 1917) e no quadro de um
grand jury
que proíbe ao acusado mencionar suas motivações e que
reduz os direitos da defesa a zero.
Sabemos agora que os seus menores factos e gestos e aqueles dos seus visitantes
na embaixada eram espionados e que os seus privilégios cliente/advogado
e paciente/médico foram violados e que todos estes dados foram
comunicados assim como todos os seus pertences pessoais aos
Estados Unidos.
Sabemos que Assange actualmente não cumpre
nenhuma pena
(sim, leu bem
[1]
) mas está em "detenção preventiva", que ele
é mantido
em isolamento
numa prisão de
alta segurança.
Sabemos também que ele está gravemente doente e que não
é cuidado. Sabemos portanto que Assange é
voluntariamente maltratado
pelas autoridades britânicas, um tratamento que o relator especial da
ONU após um exame médico do prisioneiro efectuado por
especialistas na matéria assimila à
tortura.
Sabemos que a sua vida está
literalmente
em perigo.
Sabemos que a administração penitenciária não lhe
concede senão poucos contactos com os seus advogados, muito poucas
visitas, nenhum contacto com os outros detidos e que não pode consultar
os elementos de "provas" apresentados contra ele e não tem
nenhum meio material para preparar um simulacro de defesa.
Assistimos em audições surrealistas que ele está
tão mal a ponto de que mal consegue pronunciar o seu nome e sua data
nascimento e em que a juíza Vanessa Baraitser ostenta
abertamente
seu desprezo por ele e seus advogados e toma publicamente suas
instruções junto a representantes dos Estados Unidos presentes na
sala. Assistimos mesmo um escrivão perguntar ao prisioneiro para
confirmar sua nacionalidade...
sueca
(para dar uma ideia da seriedade com que este caso é conduzido).
Sabemos que Assange é um dos jornalistas mais premiados do século
XXI. Sabemos que ele ainda recebeu três títulos de reconhecimento
jornalístico enquanto se encontrava na prisão. Sabemos que ele
foi nomeado
sete vezes
ao prémio Nobel da Paz. Sabemos que o responsável da
Federação Internacional dos Jornalistas (que diz representar 600
mil profissionais) tomou posição em favor de Assange. Sabemos que
os três principais sindicatos de jornalistas franceses redigiram uma
carta aberta a Macron a respeito de Assange. Sabemos que
várias centenas de jornalistas de todo o mundo assinaram uma petição recente pela sua libertação
, etc.
Sabemos também que a Amnesty International deve ter a merda diante dos
olhos para não reconhecer um prisioneiro político torturado no
coração de Londres. Sabemos desde longa data que Reporters Sans
Frontières tapa os olhos, as orelhas e a boca cada vez que os Estados
Unidos estão em causa.
Compreendemos que as redes sociais (Facebook e Twitter) exercem uma censura
discreta sobre toda comunicação relativa a Assange e/ou
WikiLeaks, limitando drasticamente sua difusão.
E sabemos que de tudo isto,
você
não saberá nada.
Pois sabemos que os "grandes" media decidiram limitar ao
máximo a sua cobertura do "Caso Assange" e não deixam
passar as informações senão a conta-gotas...
Sabemos por exemplo que um grande diário ("progressista")
britânico como
The Guardian
pode publicar um artigo encomendado contra Assange, inventado em todos os
pormenores. Constatámos que os outros "grandes" media
não cobram rigor do seu confrade (Vê-se, finalmente, que a
solidariedade no seio da profissão existe!)
Sabemos que uma jornalista do
Monde
é capaz de vos olhar de frente nos olhos e dizer sem escrúpulos
uma coisa como "Assange não tem senão o que ele merece
porque ele fez Hillary Clinton perder". Argumento fraco por
excelência. Num jornalista, horror assegurado. Garantia de cabelos
eriçados sobre a cabeça.
Em suma, sabemos agora que os "grandes" media são na grande
maioria animados pelo que é preciso correctamente chamar de canalhas.
Sabemos que os media ditos alternativos incrível mas verdadeiro
que se mobilizam em favor de Assange (e da WikiLeaks) ainda são
demasiado raros. Os outros pensam provavelmente poder ignorar ou não
serem afectados pelo caso ou ainda estão (cumulo da ironia) sob a
influência da propaganda dos media ditos "de referência".
Mas sabemos também que os anos de calúnias e de mentiras
despejadas sobre ele e sua organização começam a
desvanecer-se e que o aumento da potência da solidariedade com Julian
Assange experimenta desde há alguns meses uma progressão
fulgurante. Ainda ontem, os apelos e intervenções em seu favor
jornalistas, médicos, personalidades, responsáveis
políticos, ONU contavam-se às dezenas e hoje contam-se
às centenas de milhares. O silêncio mediático ainda
não está quebrado, mas começa a rachar. Este combate foi
demasiado longe para não dar razões de esperança,
então não o abandonemos. Com este combate, 2020 poderia muito bem
ser um bom ano para a justiça.
20/Dezembro/2019
[1] Após o seu sequestro da Embaixada do Equador, em 11/Abril/2019,
Assange foi imediatamente condenado por ter "violado as
condições da sua libertação em residência
vigiada" (tornozeleira e comparecimento diário numa
esquadra de polícia) violação cometida quando ele
pediu o asilo político ao Equador em Junho de 2012 (decisão
contestada por juristas na medida em que pedir o asilo é um direito
fundamental e não é como se não se soubesse onde
ele estava). Ele foi condenado à pena máxima por um tal delito
(que na verdade não o era) que na Grã-Bretanha geralmente se
salta por uma simples multa. Assange era libertável na metade da pena
mas a juíza recusou a sua libertação e decidiu a sua
detenção preventiva até o processo de
"extradição". Tudo numa prisão de alta
segurança, sem contactos e sem cuidados.
[*]
Co-administrador do sítio
Le Grand Soir.
O original encontra-se em
www.legrandsoir.info/julian-assange-ce-que-nous-savons.html
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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